Análises de Filmes

“O Céu de Suely”- reflexões sobre as questões de gênero na paisagem árida

Ana Flávia de Andrade FERRAZ
Ana Luna de Sá LINHARES
Anne Elizabeth dos Santos CORREIA
Roberta Maria de Oliveira LIMA
Rogéria de Souza VIEIRA

Universidade Federal de Alagoas

Resumo:
Partindo do pressuposto de que as representações veiculadas nos mais diversos meios de comunicação inserem-se decididamente na construção de identidades sociais e no imaginário social, o artigo busca um diálogo entre a análise fílmica e as representações sociais, a partir da obra do diretor Karim Ainouz. O filme “O Céu de Suely”, torna-se aqui o pano de fundo para a análise da construção (e reconstrução) do papel feminino na sociedade sertaneja nordestina.

O que é o sertão brasileiro? Quem é o sertanejo? Quais as características da região e de seu povo? O filme “O Céu de Suely” mostra uma realidade vivenciada por muitas mulheres sertanejas. A busca por melhores condições de vida, a vontade de viver faz com que muitas pessoas saiam de sua terra natal em busca da realização dos seus sonhos.
O "Céu de Suely", longa do diretor Karim Ainouz, estreou no cinema no ano de 2006 e traz a história de uma jovem de 21 anos chamada Hermila, que, assim como muitos, sai de uma cidadezinha do sertão do Ceará, em busca de seus sonhos na grande promessa de São Paulo. Já em São Paulo, Hermila com seu filho ainda bebê o Mateuzinho, resolve voltar para sua cidade, onde espera a chegada de Mateus, seu companheiro e pai do seu filho.
            Para desalento de Hermila, Mateus, em uma clara e crua alusão à sociedade machista e patriarcal, não vai a seu encontro como combinado, abandonando- a com seu filho. A jovem, insatisfeita com as possibilidades que aquele lugar oferecia, resolve então dar um novo rumo em sua vida, decidindo juntar dinheiro e ir embora dali o mais rápido possível e para o lugar mais longe que pudesse ir. Para lograr a fuga, Hermila toma uma decisão inusitada e transgressora: rifar o próprio corpo.
            O filme retrata a realidade de muitas mulheres não só do sertão, mas do Brasil inteiro. Uma realidade de não ter espaço, poucas oportunidades, em um mundo masculino opressor. O que difere o filme de Karim de outros que trazem à tona a temática do feminino, é, decididamente, o papel desenvolvido pela personagem. Longe do lugar comum da mulher vinculada ao romantismo, à busca da estabilidade emocional, da segurança financeira, Hermila é uma transgressora e inquietante personagem que coloca em cheque os imaginários criados em torno da mulher, especialmente da mulher nordestina.
O “O Céu de Suely”, incorpora o sertão como paisagem fragmentada que somente um grande deslocamento operado por um esforço interpretativo seria capaz de resumir e comparar à expressão figurativa das feridas sociais brasileiras. Suas imagens privilegiam então, um projeto mais aberto as indeterminações e imperfeições de sujeitos desejantes, afastando-se de uma forma de representação mais tradicional da geografia árida do nordeste.
A cidade interiorana onde se passa o filme é um ambiente opressivo, no qual as características mais conservadoras estão associadas ao paraíso suave da ingenuidade e do romantismo sertanejo. Essas características tradicionais apontam para a fixação de limites de um ambiente restrito que, dá ênfase a vigência de uma cultura sufocante em que a instabilidade, o impulso inconformista e a inadequação são inibidos pelo olhar vigilante de seus habitantes. Porém Hermila contorna esta cartilha de resolução de problemas e assume uma posição menos conservadora na qual, reconhecidos os limites de transformação que era submetida pelas coleções de leis sociais dominantes, corrompe- os a partir de estratégias que elevam a aceitação dos termos combinantes em que a ascensão social e a mudança seriam muito possíveis.
O filme traz a tona problemáticas que se encontram presentes na vida de todos nós, temas contraditórios, como por exemplo, a relação construída entre indivíduo e sociedade, e é justamente sob esse amparo que são restituídas as contradições e dilemas trazidas pelas Representações Sociais.
 Segundo Guareschi e Jovchelovitch (1995), a teoria das representações sociais se articula tanto com a vida coletiva de uma sociedade, como com os processos de constituição simbólica, nos quais sujeitos sociais lutam para dar sentido ao mundo, entendê-lo e nele encontrar o seu lugar, através de uma identidade social. E é exatamente isso que Hermila procura fazer, dar sentido ao mundo em que vive e encontrar o seu lugar na sociedade, mas para isso ela toma outras providências que não vão de acordo com os valores impostos pela sociedade em que vive. Ela desenvolve sua própria identidade social e se abre para a diversidade de um mundo de outros.
Jovchelovitch (1995) sustenta que é no espaço público onde as representações radicam, é nesse espaço que o indivíduo desenvolve sua identidade, na relação com o outro, “porque ¿quién soy YO si no el YO que los Otros presentan de mí?” (1995). É nesse espaço, ao mesmo tempo comum, também de alteridade, onde a comunidade sustenta os saberes sobre si mesma e também sobre os outros, isto é, é nesse espaço onde se produzem as representações sociais.
Não podemos falar de Representações Sociais e nos referirmos apenas a sujeitos individuais, devemos analisar o social enquanto totalidade, pois cada indivíduo tem uma dinâmica de vida e é essa dinâmica de vida individual que forma a dinâmica social. De acordo com Guareschi e Jovchelovitch (1995), as representações sociais não são um agregado de representações individuais da mesma forma que o social é mais que um agregado de indivíduos.
 Todos os fatores que produzem as representações sociais estão inundados de comunicação e de práticas sociais, como por exemplo, o diálogo, padrões de trabalho, e, claro, a sétima arte. Em resumo todos esses fatores integram uma identidade, uma cultura, e, conseqüentemente, uma sociedade. 
Portanto, a teoria das representações, é uma teoria do “conhecimento socialmente elaborado e compartilhado” (Jodelet, 1989), uma teoria do sentido comum, que ao mesmo tempo em que marca a característica do individuo também traz a marca do social. As representações seriam assim uma forma de saber específico, apoiado no social, pois são concebidas em contextos sociais específicos, mediadas por processos de comunicação que fazem circular informações comuns e imersas em bagagens culturais, valores, códigos vinculados e pertencimentos sociais específicos.
   Guareschi (1995) sugere a importância do papel dos meios de comunicação na construção das representações sociais. Pois é quando as pessoas se encontram para discutir o cotidiano, argumentar, refletir e quando elas estão expostas às instituições sociais, como por exemplo, os veículos de comunicação, onde as representações são formadas. Uma de suas características reside em seu modo de construção eminentemente coletivo, fruto de um processo global de comunicação no qual a sétima arte está inserida.

Bibliografia:
GUARESCHI, Pedrinho A. e JOVCHELOVITCH, Sandra(org): Textos em Representações Sociais. Vozes, Rio de Janeiro, Brasil, 1995.

JODELET, Denise. La representación social: fenómenos, concepto y teoria. En: MOSCOVICI, S. Psicologia Social y problemas sociales. Ediciones Paidós, 1990.




artigo publicado na Revista Cinema Caipira n. 20